sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Sou tu

Sou Tu (Minha ilha)

 I
 A terra cuspiu o fogo que se fez rocha, Que se viu rodeada de puro azul. Desse azul que a faz tão protegida Como de si cativa. E assim talhou suas gentes. A uns fez mar, Outros, rocha. Mais que vieram e ficaram e se multiplicaram. Com filhos feitos mar E outros com filhos feitos rocha. O mar que se move, A rocha que permanece. A ansiedade da rocha contida. O mar que a protege e mantém cativa. Assim se fizeram suas gentes. Rocha que fica. Mar que vem e vai e volta. Esse mar que passeia as sementes, Que só a terra faz crescer até o fruto. O mar que engole e cospe. também se fizeram suas gentes Neste lugar, aqui, Onde a rocha e o mar partilham as almas das gentes.

 II
 Na terra verde e negra Feita de escarpas, Rodeada desse azul, Onde rocha e água são irmãos, Nasce gente branda. Branda como a natureza, cá. Agora doce, Logo amarga. Gente que, pela ânsia do mar revolto, Nele embarca, à procura doutro sítio. Terra onde parar, Para vir. Vencer a ilha. Vencer a rocha e o mar e voltar. Para o cortejo anual triunfante, Enfeitado por bovinos mortos e canja, Regados pelo vinho das íngremes encostas. Carrascão exclusivo. Néctar dos tempos de criança Com açúcares e citrinos. Mas isso, era a parte boa. Pior, era a ilha. Pior, era o mar e a rocha. Pior, era não acreditar depois do horizonte. Prova de fogo. Mas voltar. Sempre voltar

III
 Cresceu onde foi parido Naquela encosta do vale em forma de ferradura, Com a abertura virada para o mar. Aconchegado da força do vento e do mar, Como que abraçado pelo vale. Ele e os outros. Cresciam, viviam e morriam ali. Por hábito. Pelo calor da terra no Inverno. Pela fresca aragem que inundava o vale Vinda do mar, no Verão. Chega-lhe esse céu, sempre disse. E chega-lhe este mar. Dão tudo e são em tudo verdadeiros. Salta a lapa que apanha o polvo, Que apanha a moreia. Traz a vaca e mata o porco e arranja a galinha. Coze semilhas e inhame. Chama o tio e a tia. Que tragam a avó e os primos. Vamos todos para a mesa, Jantar.

 IV
Good morning! Bye Bye! Thank you! Money, Money! São os ingleses De calção e roupa branca Com estranhas fitas e óculos Com coletes azul-bebé e bege. Sapatos brancos e peúga até meia perna. Vêm no “horário”. São turistas e vêm e vão. Alguns dão “Money”, Outros não. Meu João é deles guia. Leva-os a seus pastos, Tratando que se não desgarrem. Vêm de longe para esta erva, que não entendem. E como é impossível que sintam, Este mar sempre. A rocha sempre. E as flores e o verde E o ameno sol sempre. E como isso nos faz despreocupados. Cigarras do ano inteiro. Não. Não temos Inverno. Só a fúria das águas e do Vento.

V
 O melhor peixe É o da parte mais funda do mar. O melhor alho É o do alto dos picos mais altos. Porque a rocha e o mar nos obrigam. Porque o mais difícil, entre irmãos É não ser-se igual. Ser contentado com mar e rocha. Ouvi-los sempre e falar com eles. Sem contrariar. Respeito mútuo entre nós e a rocha e o mar. Para fugir com a mente ao castigo, Que fingimos não temer. Porque está no sangue. Mar na rocha e rocha no mar. Ainda que nascesse no outro lado do mundo, Só me encontraria aqui. Na rocha do mar e no mar das rochas. Nos picos e descendo e subindo suas encostas. Nestes Inverno e Verão, Feitos Primavera e Outono.

 VI
Muito e bem lhe pediram Seu pai e sua mãe. Mas ,nunca uma enxada sequer enxergou, Nem uma saca de semilhas carregou. Nunca com a mãe esbulhou o feijão. Nem nunca sequer lhe apanhou, Um novelo de lã, caído ao chão. Ganhou porém seu sustento Assim mesmo, no estrangeiro. Voltou vinte anos depois. Esperava-lhe um funeral. Arranjou a velha casa, Com a poupança escondida dos vícios novos. Regressou de novo “lá fora”, Para então vir de vez, Com os filhos que já não vieram. Sempre a rocha e o mar e o mar e a rocha. Foi fácil esquecer porque voltou E de onde e para quê. Quando acordou Já não sabia sequer de onde tinha voltado. Acordaram-se-lhe o mar e a rocha No peito a crescer. Levantou-se e foi lá fora, Ouvir o dia amanhecer.

 VII
Almas todas a correr Atrás do faz de conta. Tanto, que se esquecem de si. De repente, todos eram de Nova York. De Londres, de Paris. Daqui, nenhum. Como se o mar e a rocha se incomodassem. Eles nunca fingem. Perentórios, certeiros, autênticos. Faltas-me e falto-te, dás-me e dou-te. Desrespeitas e castigam. Mas com o grande “desculpador” Tudo fica mais sagrado, divino e inatingível. E abre-se o desafio e fere-se. Abre-se feridas que trespassam a rocha, Jogando-lhe o sangue para o mar. Seu irmão. E os tais ingleses, Vêm os homens a matar a rocha. Vêm os homens a cuspir para o mar. Faz de conta. Luxemburgo, Mónaco, Saint-Tropez, Como se o mar e a rocha se incomodassem.

 VIII
Ilha de mar e rocha Com nome de árvores Sempre cheia de coloridas flores Para além da razão das estações. Cheia de homens com mãos de rocha-mar E de outros tantos que te procuram E com outros tantos que em ti se encontram e ficam, Porque te olham com a estranha admiração verdadeira. E tu dás-te. Abres-te com o teu sempre maduro, Cheio de cores e odores e sabores, Que nos fizeram sempre homens diferentes. Com a persistência da rocha E a transparência do teu irmão mar, Quando se mostram serenos. Olhássemos nós para ti e te pedíssemos, Em mútuo contemplar, E compreenderíamos ser mais belos Se fôssemos só o que somos, Sem te querer transformar em nós. Magnânimos, inconsequentes. E em vez de logo pedir a ti, Pedem e justificam a um “desculpador”.

 IX
E a mim, Como me embalas, tu. Teu corpo mar, deitado nas rochas. Como mergulho em ti E percorro cada escarpa tua. Como me dá seiva, Deixar-me correr pelas encostas E, por fim, mergulhar em ti. Ser tu. Ser o que somos eu e tu. Eu para ti e tu para mim. Sou como tu, mar e rocha. Fizeste-me. Nasci de ti e em ti. Em ti vivo e faço Até que por fim, regresse a ti E faço-me tu. E que me reguem as flores por cima, Ou que me plantem uma árvore. Por tudo o que és, chegas-me. Gosto-te. Sei que, ateus olhos, não firo nem destoo. Sou como tu, Mar e rocha e escarpas e encostas, E sol e flores e ameno. Sou tu. Minha ilha.

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